Há muito a psicologia vem tratado, seja por uma perspectiva causal ou não, de como mães e pais influenciam seus filhos desde a concepção até os últimos dias de suas vidas.
C. G. Jung aponta que é necessário no processo terapêutico desvincular a perspectiva de pai e mãe material, no sentido de somente projetar o pai e a mãe nos seres humanos que nos criaram, rumando assim para uma transmutação de tais complexos, em que o pai e a mãe internos são integrados e nos dão bases para seguir a vida, e ainda, pelo lado material, entendendo as limitações humanas daqueles que nos criaram e nos cuidaram.
Talvez valha também pensar na perspectiva dos pais. Sabe-se que o complexo paterno e materno é desenvolvido neste embate, da visão da mãe pelo pai (complexo paterno) e da própria mãe (complexo materno). Mas, esquecemos de perceber como tais papéis são potentes quando tocam os indivíduos que assumem ser pais e mães. A cada filho que nasce há uma reencarnação do Pai e da Mãe no pai e na mãe.
Muitas vezes entendemos complexo como algo negativo. Contudo, Jung já afirmou que eles não são somente isso. Então, eis uma proposta: e se entendêssemos os complexos como um sutil toque do divino? Isso colocaria os pais e mães que assumem esses papéis (aqui exclui-se os negligentes) como mediadores dos divinos Pai e Mãe que habita o coletivo. Por isso, exercer a maternidade e paternidade é tudo menos fácil. É tentar ser uma divindade diante da fragilidade e da imperfeição humana que somos nós.
E a vida segue: os filhos não escutam, os filhos não querem escutar, os filhos querem se emancipar. Isso é natural. E por isso mesmo, parece que exercer tais papéis no embate de criar um filho é insuficiente. Parece que neste embate os pais saem perdendo, sempre. Talvez o filho somente entenderá quando ele assumir o papel de um pai ou de uma mãe, ou melhor, assumirem-se mediadores dessas instâncias divinas.
Mas vale também os indivíduos no papel de pai e mãe entenderem que eles são mediadores. E, que a intuição e o cuidar feminino emprestado às mães e que o poder masculino emprestado aos pais devem sim buscar o embate com seus filhos, almejando que eles fiquem bem e íntegros, mas, dolorosamente, a escolha final de escutarem essas instâncias divinas por meio de seus mediadores é dos filhos. O que nos resta é rezar para que os seus daemons os protejam.
Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, Porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe. Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: Pois assim como ele ama a flecha que voa, Ama também o arco que permanece estável.
Khalil Gibran
Leonardo Torres, analista junguiano
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