Os chamados joguinhos do amor, comuns em relacionamentos atuais, na verdade, revelam uma dinâmica de poder disfarçada de amor. Em vez de promover a reciprocidade e o amadurecimento da relação, esses jogos criam um ambiente de manipulação e controle, no qual o complexo de poder de ambos amantes se torna o centro da interação, ou seja, a vinculação do relacionamento se dá pelo poder e não pelo amor. E isso vale não somente para enamorados, como para qualquer tipo de relação.
À luz da psicologia analítica, por exemplo, podemos compreender que o eu, em sua busca por controlar o incontrolável, isto é, o futuro de uma relação, utiliza a manipulação afetiva, o controle e até a racionalidade para tentar deixar o outro na palma da sua mão. Não é comum escutarmos na clínica julgamentos racionais e mais julgamentos racionais sobre brigas na relação a fim de se buscar quem está certo ou errado, ou então para justificar uma atitude reativa feita.
Os joguinhos que hoje tem nomes científicos nada tem novos, só resolveram marketizá-los com termos em inglês como "ghosting", etc. Dar aquele "gelo" ou promover a terrível "indiferença estratégica" é, na verdade, um eu infantil tentando suprimir sua própria insegurança e medo da rejeição. Ao invés de se abrir para a vulnerabilidade do amor, o ego busca dominar o outro para se proteger. Provavelmente, desde criança fez isso com os pais ou aprendeu com eles e sabe que isso dá certo até determinado ponto.
Amor e poder estão em oposição. O amor é o eixo horizontal entre indivíduos, enquanto o poder é o eixo vertical, de hierarquia. Nos jogos de poder ditos amorosos, essa hierarquia se manifesta na tentativa de controlar o outro, de "vencer" o jogo em vez de construir uma relação empática.
O ciúme patológico, por exemplo, pode ser visto como uma manifestação desse eixo vertical, em que um parceiro tenta controlar o outro por medo de perdê-lo. No entanto, essa dinâmica de poder acaba por minar a confiança e a intimidade, corroendo os alicerces do amor. Do lado oposto ao ciúmes, recorrendo a etimologia, encontramos o zelar pelo outro – o ciúme em sua horizontalidade torna-se zelar.
O poder se estabelece por meio do medo da intimidade e da vulnerabilidade. Os joguinhos , nesse contexto, seriam uma forma de evitar a verdadeira entrega e manter o outro à distância, vivendo a projeção amorosa. A pessoa que foge do compromisso, que evita se envolver afetivamente, está, no fundo, tentando se proteger da dor potencial de um relacionamento autêntico, porque amar humanamente dói. No entanto, essa fuga impede o crescimento e amadurecimento da relação, mantendo-a em um nível superficial e imaturo.
Amar é desnudar a alma, expor as próprias fragilidades e medos, sem máscaras ou armaduras. É permitir-se ser visto, com todas as suas sombras e luzes. E normalmente o parceiro é o grande anunciador da sombra. É nesse espaço de vulnerabilidade que o amor encontra seu terreno fértil para florescer.
No eixo horizontal encontramos aí a tal da empatia, que, para mim, está ligada ao verbo "empatar" – no sentido de depois de um jogo, todos estamos exaustos pois demos o nosso melhor, mas somos iguais. Ninguém ganha, ninguém perde: empatamos.
A coragem de se mostrar vulnerável faz-nos sentir covardes. Mas, isso é crucial para o amor se revelar. Percebamos uma coisa: aqui não trato do poder e do amor como algo do eu, dos amantes. Trato-os como entidades. É por meio da dinâmica da relação que um ou outro emergem para estabelecer o tipo do vínculo. Ambos tem asas e vem à galope pairando sobre dois humanos.
Por isso, temos que fazer nossa parte para empatar e rezar para Eros chegar. Aprendemos com sua esposa, Psiquê vulneraviliza-se no conto, assim como temos que vivenciar cada gota de coragem e covardia que nossa alma nos traz ao estar diante de um outro humano. Amar é banhar-se com a covardia (por isso é importante amar-se), pois é nela que a coragem salta do abismo para a superfície.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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