O que aconteceu na escola em Recife?
O surto coletivo de ansiedade ocorrido na Escola Estadual de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães, em Recife, chocou a todos e reverberou nos jornais nestes últimos dias, gerando opiniões e comentários diversos. É necessário, no entanto, termos um olhar científico para o ocorrido. Na ciência, atualmente, denominamos o caso ocorrido de Contágio Psíquico e não mais de Histeria Coletiva como no passado. A História mostra-nos que casos como o de Recife ocorrem devido a uma imposição política e social dogmática, podendo ser somada a um contexto de escassez e também a uma falta de expiação dessas emoções coletivas, o que antigamente era garantido nos rituais.
No caso de Recife, não sabemos ao certo o que ocorreu. Mas, se essas emoções são fortemente reprimidas e toda repressão faz pressão, elas tendem a sair de algum jeito e com força. No caso, tornou-se o sintoma da ansiedade coletiva, ou seja, falta de ar, ansiedade, desespero e crença de morte. Não é de se admirar se outros surtos como o de Recife comecem a eclodir no país a partir de agora se não houver uma política séria agindo em prol da população.
Atualmente, podemos considerar que existem alguns fatores que podem ter influenciado nesta “pressão”, o que levou à eclosão do surto na escola recifense. No âmbito micro: a volta às aulas e a necessidade de relacionamentos interpessoal que foi pouco desenvolvida pelas crianças na pandemia e no isolamento, bem como o pânico social gerado pelo coronavírus nestes últimos anos podem ter contribuído para o quadro. Mas também em âmbito macro: já que o país empobreceu, a violência cresceu, o dogmatismo religioso se consolidou ainda mais, a fome e a miséria aumentaram e ainda o Brasil vive um momento de incertezas sociais e políticas. Esta descrição atual do momento no país é muito semelhante ao período da Idade Média, momento em que temos diversos registros de surtos coletivos, como surtos de riso, choro, dança, freiras miando para a lua, a caçada às bruxas, etc.
Os surtos acontecem sem motivos aparentes e podem demorar dias ou meses para findar. Possuem uma tendência a ocorrer em indivíduos de um mesmo grupo, como alunos de uma mesma escola ou torcedores de um mesmo time, por exemplo, pois existe aí certa vinculação emocional e psíquica entre eles. Apesar de parecer um problema pensando no ocorrido em Recife, o Contágio Psíquico garantiu a sobrevivência de várias espécies (também a humana). Ele é o responsável por um grupo sentir fome e sono (o bocejo) em um mesmo horário, ou até de fazer um indivíduo vomitar quando vê seu companheiro vomitando. É como se, inconscientemente, pensássemos: “se o meu semelhante está vomitando é porque comeu algo estragado, então, é melhor eu vomitar antes que eu passe mal”.
Existe ainda a soma da variante social e das ideias no ser humano, que também podem evocar essas emoções contagiantes. A neurociência já explica que todo pensamento, por mais racional que seja, possui raízes nas emoções. E por que elas são contagiantes? Porque, diferentemente do que acreditamos hoje em dia, nós possuímos uma extrema e profunda ligação psíquica entre nós. C. G. Jung denominou de Inconsciente Coletivo, Gilbert Durand de Imaginário e Edgar Morin de Noosfera. É de lá que esses conteúdos com potentes cargas emocionais eclodem e dominam os indivíduos, fazendo-os desmaiar, dançar, sentir falta de ar, etc.. As crianças, por ainda estarem desenvolvendo a personalidade egóica, que se finda aos 21 anos, são mais suscetíveis à atmosfera psíquica da família, do grupo e da nação.
No livro "Contágio Psíquico: a loucura das massas e suas reverberações na mídia”, da editora Eleva Cultural, demonstro que o caso de Recife não é único, ocorreu e ainda ocorre diversas vezes em escolas pelo mundo. Existem epidemias de ansiedade e pânico, como a que aconteceu recentemente, mas também de diversas outras emoções.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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