Se vasculhássemos o nosso passado, como quando entramos naquele quartinho de casa cheio de bagunça, muitos de nós ficaríamos com dúvidas sobre algumas lembranças aqui ou ali. Poderíamos até nos perguntar: será que isso mesmo aconteceu? Isso ou aquilo ocorreu ou foi um sonho? É demasiadamente difícil separar o que chamamos de realidade do sonho.
Biologicamente, isso ocorre pois não há nenhum mecanismo cerebral que diferencie o mundo concreto do mundo imaginal. A Biologia não pode ir muito além desta constatação, pois a problemática está centrada na psificação do mundo (do tudo, do fora, do outro) e não no mundo per se.
Sem dúvidas, uma das maiores contribuições de Carl Gustav Jung para a humanidade foi a sua constatação de realidade. Diferente do senso comum que entende a realidade como uma obviedade, muitas vezes sendo sinônimo de concretude, ou melhor, da physis. A realidade primeira, para o autor, não é o que está fora, mas o que está dentro; e ainda, muitas vezes, o que está fora, não é nada mais do que uma imagem projetada do que está dentro.
Basta pensarmos em qualquer coisa de "fora", por exemplo: uma flor. Uma flor para um ser humano nunca será somente uma flor como uma flor é. Melhorando: a partir do momento que o ser que denominamos de "flor" foi visto, cheirado, tocado ou imaginado, ele faz emergir uma imagem mental (uma psificação) que pode misturar um pouco sobre o ser (a flor) e um pouco sobre nós – essa pitada de nós é o que chamamos de projeção.
Esta desconstrução é importante pois a intensidade dessa projeção pode preocupar. Muitas vezes projetamos a sombra (pessoal e coletiva) no outro, o que gera as mais diversas discriminações, por exemplo. O outro, o diferente do "eu" é sempre o pior, o errado, o mal, etc.
Isso acontece pois é impossível não projetar – a vida é feita de projeções. Mas é dever nosso entender que a realidade a qual vemos, cheiramos, saboreamos e sentimos é a nossa realidade e isso não significa que ela seja a verdade última. Isso é tão difícil de perceber que gerou muitas discussões para os filósofos em geral.
Se uma coisa os filósofos nos ensinaram foi sempre duvidar das certezas. Realidade e Verdade última podem até ser irmãs, mas a primeira reside no mundo dos mortais e a segunda não. Pena que a atualidade deixou de questionar para seguir uma cultura massificada, padrões sociais estéticos, propagandas, políticos, celebridades, influencers, entre outros que trazem a verdade em minutos.
Dr. Leonardo Torres, psicoterapeuta junguiano e palestrante.
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