Um fundamento da Psicologia Analítica Junguiana
O ser humano é um animal peculiar. Ao longo da evolução, a tomada da consciência e o surgimento do ego promoveram um movimento psíquico que culmina na percepção de contrastes.
Existe uma tendência psíquica de colocar tudo o que é percebido, sentido, pensado e até intuído em caixinhas de "bom ou ruim", "bem ou mal", "gostoso ou desgostoso", etc. e ali os fenômenos permanecem unilateralizados e automáticos.
Quando um fenômeno cai em uma caixinha de “mal ou bom" não é refletido, diversificado, relativizado ou ampliado. E toda vez que a vida apresentar este fenômeno à psique, teremos a mesma reação, comportamento e julgamento.
Isso vale tanto para nossas narrativas pessoais da vida, bem como para os relacionamentos interpessoais, para o pensar social, cultural, também para os preconceitos e outros. Sigamos para entender a projeção na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.
Muitas vezes recebemos na clínica analítica indivíduos que, ao contar suas histórias de vida, apresentam ao terapeuta mais caixinhas do que alma: “A minha vida é uma soma de erros”; “eu sou a pior pessoa do mundo”; “não existe a possibilidade de perdas na minha vida”; “eu quero sucesso e riqueza para ser feliz”.
Frases assim demonstram o quanto cada vez mais estamos tentando evitar o mergulhar nas tensões e antinomias da vida e ali permanecer um pouco. Essa tendência a evitar a tensão leva à unilateralização. A resolução dos “problemas" pois as tensões são colocadas na caixinha “problemas”.
A unilateralização, por sua vez, não é algo somente ruim, se considerássemos isso, já estaríamos caindo na própria tendência psíquica da própria unilateralização. É importante em certos momentos tomarmos decisões conscientes, decisões do eu.
Cada decisão do ego é uma escolha, uma unilateralidade.
E garante coerência e coesão para a psique consciente: um início, um meio e um fim. Isto é, a noção de tempo que cria e é criada pela consciência. Este processo garantiu o desenvolvimento da consciência e da cultura: heranças artificiais que fizeram o ser humano dar grandes saltos evolutivos.
Qual seria o problema, então? O problema está no excesso. Evita-se tanto o fracasso que o indivíduo busca um excesso do sucesso. Evita-se tanto o mal que o indivíduo acaba caindo no excesso do bem.
Poderíamos nos perguntar: que mal tem o excesso do bem? Sabemos com o Tao, Heráclito, Goethe, Carl Gustav Jung (fundador da psicologia junguiana) que todo excesso gera o seu contraste na mesma medida. O excesso de luz gera o excesso de sombra. Caso você ainda não tenha entendido muito bem isso, clique aqui.
No excesso, o indivíduo acaba por crer que o contrário não existe mais em si mesmo. E este contrário torna-se tão inaceitável que a única maneira dele ser concebido é colocando no outro. É importante que o contrário seja concebido, se não, o excesso no qual se vive também não existiria. Isso é a projeção na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.
Um indivíduo no excesso da riqueza materialista, por exemplo, não abarca a pobreza em si, ele enxergará e terá, provavelmente, aversão ao outro que considera estar na pobreza.
Outro exemplo é o indivíduo apaixonado que, por vezes, aquilo que é diz para o outro é uma tentativa dele de convencer a si mesmo. Um “eu não te amo” ou “eu só quero amizade” ou qualquer fala desse tipo não passa de uma tentativa do indivíduo apaixonado de enquadrar seus sentimentos em uma outra caixinha que não é a da paixão.
Quem dera se pudéssemos abrir nossas caixinhas com mais facilidade. Reconhecer o contrário que foi colocado no outro e permanecer na tensão sofrida e aversiva para integrar o que foi projetado e compreender que estes conteúdos também são meus.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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